sábado, 11 de outubro de 2008

SITUAÇÃO INTERNACIONAL


1.0. Introdução
1.0.1. O XVIII Congresso realiza-se numa situação internacional de grande instabilidade e incerteza em que avulta, como traço particularmente marcante, o desenvolvimento de uma crise económica e financeira do sistema capitalista de grandes proporções que está a assolar o mundo.
1.0.2. Apesar dos reveses sofridos, a violenta ofensiva do imperialismo não dá sinais de recuo, antes se acentuam os seus traços fundamentais – exploração, opressão, agressão, militarismo e guerra. No caldo de cultura da crise e da pretensão do imperialismo de impor ao mundo a sua hegemonia, cresce o perigo de aventuras militares de dramáticas consequências.
1.0.3. Mas o imperialismo não tem as mãos totalmente livres, está condicionado pelas suas próprias dificuldades e contradições, e por toda a parte prossegue a resistência e a luta, que se diversifica nas suas formas e conteúdos. Está em curso um processo de rearrumação de forças a nível de Estados e estruturas de cooperação internacional, que com aspectos contraditórios, questiona a hegemonia dos EUA e os seus objectivos de domínio planetário.
1.0.4. O quadro é de uma multifacetada agudização da luta de classes, com a possibilidade de rápidos e imprevistos desenvolvimentos, em que grandes perigos para a paz, a liberdade e a soberania dos povos coexistem com reais potencialidades de desenvolvimento progressista e mesmo revolucionário.
1.0.5. Perante a tragédia que o processo de reprodução do capital significa para o mundo, perante a evidência da crise com que o sistema capitalista se debate, reforça-se a necessidade dos Partidos Comunistas e da sua cooperação internacionalista, e a actualidade do seu projecto de uma nova sociedade livre da exploração do homem pelo homem, o socialismo, como única alternativa ao capitalismo. A tenacidade na construção de partidos revolucionários de vanguarda e a firmeza na luta ideológica adquirem, nas actuais circunstâncias, uma acrescida e decisiva importância.
1.1. A economia mundial e a crise do capitalismo
1.1.1. O XVIII Congresso do PCP realiza-se no contexto de uma profunda crise económica e financeira do capitalismo, cujo impacto mundial se não revelou ainda em toda a sua extensão. Esta crise, ao mesmo tempo que confirma a incapacidade do capitalismo para se libertar das crises que periodicamente o abalam, é reveladora de uma crise bem mais profunda, de natureza estrutural e sistémica que, como o PCP tem assinalado, evidencia os limites históricos do sistema capitalista e coloca a sua superação revolucionária como uma exigência do nosso tempo.
1.1.2. As análises do XVII Congresso à economia mundial e aos traços fundamentais e tendências de evolução do sistema capitalista foram confirmadas pela vida e mantêm uma flagrante actualidade. A actual crise, com epicentro nos EUA, é um novo e mais grave episódio da crise que se arrasta desde 1994/95 com os episódios da crise do peso mexicano, a crise «asiática» de 1997/98, a crise económica de 2001/03, e a crise do sector imobiliário norte-americano desencadeada em Agosto de 2007.
1.1.3. A centralização e concentração do capital e da riqueza realizam-se a um ritmo sem precedentes, impulsionadas pelos Estados ao seu serviço, pela guerra, pelas instâncias formais e informais de articulação internacional do capitalismo, pelas políticas de «competitividade» e «livre mercado» que aceleram a ruína das empresas não monopolistas e a destruição das economias mais fracas, pelo acelerado processo de fusões e aquisições, que quintuplicaram desde final da década de 80. Reforça-se o peso das grandes empresas multinacionais que controlam 2/3 do comércio mundial, algumas das quais com um peso económico superior ao de alguns Estados.
1.1.4. A financeirização do capital continua a acentuar-se. A própria dinâmica da exploração gera uma massa de capitais sob a forma de dinheiro, excedentária e em crescimento que, na busca de rápida reprodução, se desloca para a esfera financeira e especulativa, em detrimento do investimento produtivo, contribuindo para a transferência e concentração das mais-valias geradas. Uma tal situação é acompanhada da criação e crescimento de mercados cada vez mais distantes da economia produtiva (como os de «futuros» e outros instrumentos financeiros) que, no quadro da livre circulação de capitais, das deslocalizações e criação artificial da procura pelo crédito fácil, acentuam a irracionalidade e a anarquia do sistema capitalista, e se tornam factor maior da instabilidade monetária, bolhas especulativas e colapsos bolsistas, e tendem a tornar as crises cíclicas de sobreprodução mais frequentes, mais globais e mais destruidoras.
1.1.5. Intensifica-se a exploração dos trabalhadores com a extensão do uso da força de trabalho e a redução, por todos os meios possíveis, da sua remuneração, visando arrecadar a maior fatia possível de mais-valia, tirando partido do enfraquecimento temporário do movimento comunista e operário. São eixos centrais desta ofensiva a redução/estagnação dos salários reais, a intensificação dos ritmos de trabalho, a apropriação dos ganhos de produtividade pelo capital, a desregulamentação e o aumento do horário de trabalho, o aumento da idade de reforma e diminuição dos valores de reformas e pensões, a desregulação das relações laborais. A linha de ataque ao sindicalismo de classe e à contratação colectiva constitui uma das mais graves expressões da política exploradora e reaccionária do grande capital e da ofensiva imperialista. Altíssimas taxas de desemprego, generalização do trabalho precário, particularmente entre as novas gerações de trabalhadores, regressão de direitos sociais e laborais, sobre-exploração dos trabalhadores migrantes, são realidades que estão a ser falsamente apresentadas como inelutáveis.
1.1.6. Aprofunda-se a polarização social, tanto dentro de cada país, a começar pelos EUA e outras grandes potências capitalistas, como, à escala mundial, ainda que com contradições, entre o centro capitalista desenvolvido e a periferia subdesenvolvida. A flagrante contradição entre os gigantescos avanços da ciência e da técnica e as terríveis regressões sociais que percorrem o mundo contemporâneo constitui uma condenação política e moral do sistema capitalista. Segundo as próprias estatísticas da ONU, cerca de mil milhões de pessoas sofrem de fome crónica e cem mil morrem todos os dias em consequência directa ou indirecta de subnutrição.
1.1.7. Intensifica-se o ataque sistemático a funções sociais do Estado conquistadas pela luta, ao mesmo tempo que se reforça a sua componente coerciva (Forças Armadas, Polícias, Tribunais) e os mecanismos de domínio do capital e de sujeição aos centros do imperialismo.
1.1.8. Mercantilizam-se todas as esferas da vida social, numa lógica de privatizar tudo quanto possa gerar maiores remunerações ao capital (Saúde, Educação, Segurança Social, Cultura, Tempos Livres) e de transformar em negócio a própria satisfação das necessidades mais elementares da existência humana (Alimentação, Água, Ambiente). Face à deterioração das condições ambientais resultante do modo de produção capitalista, cria-se um novo «dogma ambiental» e desenvolve-se uma sofisticada ofensiva ideológica de cobertura à pilhagem de recursos e à estruturação de um «mercado ambientalista».
1.1.9. Acentua-se o carácter parasitário e decadente do capitalismo, com a instalação no poder do crime organizado e o florescimento de todo o género de tráficos criminosos (armas, droga, prostituição, trabalho escravo, órgãos humanos, crianças) com a cobertura e cumplicidade da banca internacional e seus sofisticados instrumentos de circulação e branqueamento de capitais. A expansão lucrativa assenta na multiplicação de situações de miséria e brutal destruição de relações sociais estáveis, provocadas pelas políticas de saque associadas à globalização imperialista e às ingerências e agressões militares do imperialismo.
1.1.10. A evolução do capitalismo no terreno económico e social é acompanhada de desenvolvimentos no plano político, cultural, ideológico e militar, de sentido profundamente reaccionário, e mesmo fascizante, envolvendo o ataque às liberdades e direitos democráticos; o reforço do controlo dos aparelhos ideológicos; a subordinação dos aparelhos legais e judiciários aos interesses do capital; a ofensiva contra a soberania dos Estados e de recolonização do planeta; o desenvolvimento do militarismo e uma nova corrida aos armamentos.
1.1.11. Neste pano de fundo, que caracteriza a evolução do sistema capitalista, verificaram-se, após o XVII Congresso, alguns desenvolvimentos que, para além da sua importância conjuntural, expressam novas arrumações de forças e tendências que importa sublinhar:
1.1.11.1. A crise desencadeada nos EUA com o rebentar da bolha do sector imobiliário, pondo em evidência os gravíssimos problemas de uma economia altamente deficitária, endividada e crescentemente dominada pelo complexo militar-industrial, com disparidades e problemas sociais gravíssimos, em que cerca de 35 milhões de pessoas vivem em situação de pobreza. A dívida externa atinge mais de 70% do PIB. Mais do que «locomotiva» da economia mundial, os EUA são um ilimitado sorvedouro da mais-valia criada pelos trabalhadores de todo o mundo. Representando somente 4,6% da população mundial, consomem mais de 20% dos recursos energéticos, sendo responsáveis por cerca de 21% das emissões de CO2.. É incontestável a superioridade militar, o potencial cientifico e tecnológico e a hegemonia dos EUA nos mecanismos de criação e difusão da ideologia dominante. Mas o seu poderio económico e a sua posição privilegiada como principal centro financeiro mundial estão enfraquecidos, com expressão na desvalorização e descredibilização do dólar e do seu papel de moeda de reserva. Tal como os anteriores Congressos do PCP preveniram a economia norte-americana confirmou-se como o principal factor de instabilidade e crise da economia mundial.
1.1.11.2. O reforço da União Europeia como bloco imperialista, sem subestimar as fragilidades e contradições que o processo de integração capitalista na Europa envolve, torna ainda mais clara a natureza de classe da UE como instrumento do grande capital e das grandes potências capitalistas da Europa Ocidental, caindo por terra duas teses centrais com que se pretende enganar as massas: a de que a integração capitalista europeia visaria contrariar os «excessos da globalização», e a que pretende que uma «Política Externa e de Segurança Comum» e respectivos instrumentos militares, tornaria a UE mais segura e um obstáculo ao «unilateralismo» dos EUA. De facto, o que está a verificar-se, e com uma inquietante rapidez, é a intensificação e refinamento das políticas neoliberais orientadas para o aumento da exploração e do poder do grande capital e, no imediato, quer directamente quer via NATO, o reforço da aliança com os EUA e um intervencionismo agressivo cada vez mais ambicioso.
1.1.11.3. O desenvolvimento económico da China e o seu crescente peso internacional (com a perspectiva de se tornar nas próximas décadas a primeira potência económica mundial), a par da emergência de outros grandes países com altas taxas de crescimento como a Índia, o Brasil, a Rússia e outros. Ao mesmo tempo, desenvolvem-se alianças e processos de cooperação e integração regional que, situando-se em geral numa lógica de expansão das relações capitalistas de produção, tendem ainda assim (como nos casos da Alternativa Bolivariana para as Américas – ALBA, impulsionado pela Venezuela, ou da Organização de Cooperação de Xangai) a contrariar as pretensões hegemónicas dos EUA e das duas outras grandes potências da «Tríade», a UE e o Japão Estes processos, que expressam o desenvolvimento desigual do capitalismo e geram contradições inter-imperialistas, têm pesado positivamente na arrumação de forças no plano internacional e na resistência dos povos ao imperialismo.
1.1.12. A acentuação do carácter predador do capitalismo e as consequências da recolonização planetária em curso revelam-se particularmente no agravamento dos problemas agro-alimentar, energético e ambiental. A rapina das multinacionais, assente nas políticas de ajustamento estrutural do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial (BM), na liberalização do comércio mundial impulsionada pela Organização Mundial do Comércio (OMC), numa desenfreada especulação bolsista, está a provocar insuportáveis aumentos de preços e a empurrar o mundo para situações de grave crise sem solução no quadro do capitalismo. Os «motins da fome», que têm tido lugar em numerosos países, contra os aumentos dos preços dos bens alimentares (mais de 37% em 2007 e 14% em 2006), constituem uma inequívoca condenação das imposições neocoloniais e da política das multinacionais do sector agro-alimentar, que assentam os seus fabulosos lucros nos mais cínicos mecanismos de reprodução capitalista da fome e da miséria.
1.1.13. O capitalismo é o modo de produção e a formação socioeconómica dominante e a dinâmica das suas contradições marca decisivamente toda a evolução mundial. Mas esta influência não é absoluta. Há forças sociais e políticas, incluindo Estados, que intervêm na configuração do mundo em que vivemos e na correlação de forças de classe em que lutamos, que pesam tanto mais quanto maior partido tiram das dificuldades e contradições do capitalismo.
1.1.14. No momento actual impõe-se passar à ofensiva no plano da luta das ideias, tirando as necessárias ilações políticas e ideológicas da crise económica e financeira desencadeada a partir dos EUA: ela está a abrir uma brecha profunda no fundamentalismo e na tecnocracia neoliberal; representa um rude golpe no triunfalismo capitalista dos anos 90, resultante das derrotas do socialismo; deita por terra toda uma propaganda visando fazer crer que o capitalismo se tornou capaz de dominar as suas contradições e furtar-se às sempre destruidoras crises cíclicas inerentes ao próprio modo de produção capitalista e ao sentido destrutivo da sua evolução.
1.1.15. No ano em que se assinalam os 160 anos do Manifesto do Partido Comunista e o 190º aniversário do nascimento de Marx uma conclusão se impõe da observação do mundo actual: não obstante as grandes transformações por que passou o sistema capitalista, a análise marxista do capitalismo mantém uma extraordinária vitalidade e as leis fundamentais da reprodução do capital formuladas por Marx e Engels revelam-se de uma flagrante actualidade. Tal é o caso da lei do valor e da teoria da mais-valia que desvenda os mecanismos da exploração capitalista e da lei da baixa tendencial da taxa de lucro, que o capital tudo faz para contrariar, intensificando quanto possa e a correlação de forças lho permita, a exploração do proletariado, e que determina a financeirização crescente da economia. Tal é também o caso da lei da pauperização relativa, que ilumina as causas de fundo inultrapassáveis pelo capitalismo das crises de sobreprodução. E tal é o caso da validade das teses de Lenine sobre o imperialismo, nomeadamente da lei do desenvolvimento desigual do capitalismo, que mostra a impossibilidade de constituição de um mecanismo único capitalista (um «super-imperialismo») que anule a concorrência dos monopólios e as contradições inter-imperialistas, causa primeira do militarismo, da agressão e da guerra.
1.1.16. A resposta do capitalismo à crise em que se debate tende para expressões de força cada vez mais violentas. Não podendo excluir-se em absoluto, a margem de manobra do capitalismo para o recurso a soluções reformistas de tipo keynesiano encontra-se limitada; a própria social democracia que no passado as corporizou, está cada vez mais comprometida com o grande capital e as mais reaccionárias e agressivas políticas do imperialismo. É uma perigosa ilusão pensar que, mantendo intocável o poder económico e político do grande capital e a ditadura do capital financeiro, é possível dar resposta aos anseios dos trabalhadores e dos povos e preservar a Humanidade de terríveis comoções e regressões de civilização. Só profundas transformações de carácter antimonopolista e anticapitalista impostas e defendidas pelas massas o podem conseguir.


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