Falam de Marx e Lenine, mas aparentemente nunca os leram. Quanto mais estudarem-nos...
Pesquisa efectuada. Algumas, muitas, centenas de páginas analisadas. Há que retirar algumas conclusões. E é possível fazê-lo.
Por um lado, a esmagadora maioria dos jornalistas, comentadores e analistas que se pronunciam sobre as posições dos comunistas portugueses acerca da chamada globalização revela um desconhecimento (ou ignorância) atroz. Falam de Marx e Lenine, mas, aparentemente, nunca os leram. Quanto mais estudarem-nos. Referem o PCP, mas sobre os seus documentos escritos e publicados nada. Nem uma linha.
Por outro, o seu atrevimento é directamente proporcional a esse mesmo desconhecimento (ou ignorância). Prosápia não lhes falta. Mas talvez um pouco mais de modéstia não lhes fizesse mal. E de leitura também.
Antes de passarmos aos factos concretos, um esclarecimento adicional. Não aderi à “revolução” semântica dos conservadores e neoconservadores. Nos anos oitenta do século XX, “revolucionaram”, com sucesso, a terminologia política e económica. O capitalismo passou a ser designado como “economia de mercado”. Mais recentemente, trocaram o imperialismo por “globalização”. Só que um homem é um homem e um bicho é um bicho.
“A burguesia não pode existir sem revolucionar permanentemente os instrumentos de produção, portanto as relações de produção, portanto as relações sociais todas”, escreveram profeticamente Marx e Engles no remoto ano de 1848, no seu Manifesto do Partido Comunista. E, algumas linhas adiantem: “A necessidade de um mercado em constante expansão para os seus produtos persegue a burguesia por todo o globo terrestre. Tem de se fixar em toda a parte, estabelecer-se em toda a parte, criar ligações em toda a parte. A burguesia, pela sua exploração do mercado mundial, deu uma forma cosmopolita à produção e ao consumo de todos os países” (o sublinhado é meu). Este conceito de “mercado mundial” já três anos antes tinha sido referido por ambos os autores no seu livro A Ideologia Alemã. E será repetido, analisado, aprofundado, ao longo dos anos, quer por Marx, quer por Engels.
Em obras como Para a Crítica da Economia Política, Salário, Preço e Lucro (os bloguistas que andam a discutir o poder do mercado deviam ler e estudar duas obras, digo eu), O Capital, Do Socialismo Utópico ao Socialismo Científico e em dezenas de cartas, vai-se desenvolvendo o conteúdo deste conceito. Bem como o papel nele desempenhado pela Internet do século XIX: o telégrafo.
Sessenta anos mais tarde, em 1916, Lenine escreve O Imperialismo, Fase Superior do Capitalismo. Depois de uma análise exaustiva do “mercado mundial” nas novas condições de desenvolvimento do capitalismo no início do século XX, define o conceito de imperialismo. Fá-lo incluindo cinco traços fundamentais: “1) a concentração da produção e do capital levada a um grau tão elevado de desenvolvimento que criou os monopólios, os quais desempenham um papel decisivo na vida económica; 2) a fusão do capital bancário com o capital industrial e a criação, baseada nesse `capital financeiro`, da oligarquia financeira; 3) a exportação de capitais, diferentemente da exportação de mercadorias, adquire uma importância particularmente grande; 4) a formação de associações internacionais monopolistas de capitalistas, que partilham o mundo entre si; 5) o termo da partilha territorial do mundo entre as potências capitalistas mais importantes”.
E em Portugal?
“A internacionalização da economia, a profunda divisão internacional do trabalho, a crescente cooperação entre Estados e os processos de integração correspondem, neste final do século XX, a realidades e tendências de evolução não exclusivas do capitalismo. Em função da sua orientação, características e objectivos, tais processos podem servir os monopólios e as transnacionais, ou podem servir os povos. É direito inalienável de cada povo e de cada país lutar em defesa dos seus interesses e direitos” , diz o Programa dos comunistas portugueses.
Em torno do conteúdo e significado do movimento “antiglobalização”, trava-se uma imensa luta política e ideológica. É natural que assim seja.
No seu XVII Congresso, em Novembro de 2004, o PCP afirma na resolução política aprovada: “A nível mais profundo, a ofensiva global do imperialismo é resultado da própria dinâmica do sistema capitalista, cuja natureza exploradora e agressiva não se alterou nas suas características fundamentais. Uma ofensiva que é determinada pelas exigências de reprodução do capital e a corrida ao máximo lucro; pela necessidade de intensificar a exploração dos trabalhadores, tanto nos países periféricos como nos centros do poder imperialista, a fim de satisfazer as exigências da acumulação capitalista e enfrentar a baixa tendencial da taxa de lucro, reduzindo o preço da força de trabalho e enfraquecendo a capacidade reivindicativa de quem trabalha; pela necessidade de alargar o seu domínio a novos mercados, abolindo as restrições à circulação do capital financeiro e à pilhagem por parte das empresas transnacionais; pela necessidade de dominar novas fontes de matérias-primas baratas, com destaque para as energéticas, cujo controlo é decisivo para impor a sua hegemonia; pela vontade de esmagar formas autónomas de produção, comercialização e consumo, não integrados nos circuitos controlados pelas grandes empresas dos centros do imperialismo, que sejam de natureza familiar, pública ou mesmo capitalista”.
E ainda, em jeito de prever e de prevenir a situação actual: “No mercado imobiliário, cujos preços têm vindo a subir a níveis demasiado elevados, subsistem riscos de um ajustamento abrupto com consequências de expressão mundial”. Em Novembro de 2004!!! Algum dos “críticos” tinha lido isto?... Especialista em Sistemas de Comunicação e Informação
Por: António Vilarigues
Público,20/08/07
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