quarta-feira, 8 de agosto de 2007

Os Grupos Económicos Ontem e Hoje

Contextos diferentes um mesmo papel

Escrito por José Alberto Lourenço
01-Jul-2007

No âmbito da Conferência Económica e Social do nosso Partido, um dos desafios que se nos é colocado, consiste no estudo do comportamento dos grandes grupos económicos nacionais nas últimas décadas.
Vários documentos do Partido foram ao longo dos anos caracterizando a forma como os grandes monopólios beneficiaram das condições políticas objectivas que o Governo fascista lhes proporcionou.
Com a revolução, e num curto espaço de tempo, foi possível, através das nacionalizações, colocar o poder económico ao serviço das populações, mas logo de seguida iniciou-se um processo de privatizações que lentamente permitiu às grandes famílias reapossarem-se do poder que a revolução, e bem, lhes tinha retirado.
Neste breve artigo pretendemos não só abordar de forma sintética toda esta evolução dos grupos económicos monopolistas, como com os elementos disponíveis mostrar a sua actual estratégia.
Este é um trabalho que ainda não está concluído. Continuamos a recolher elementos, o que não tem sido fácil dadas as múltiplas formas que os grupos económicos têm de se expandir, mas de qualquer modo iremos procurar deslindar a teia que eles vão urdindo.

A génese dos grupos económicos

O desenvolvimento do capitalismo em Portugal foi profundamente marcado pela existência durante quase meio século de um regime de repressão e violência ao serviço do grande capital e dos grandes proprietários.
A centralização e a concentração capitalistas e a formação e dominação do capital monopolista tiveram como característica particular terem sido aceleradas e forçadas pela intervenção coerciva do Estado fascista.
No caso português a intervenção do Estado fascista acelerou o desenvolvimento económico capitalista, o qual em condições normais deveria passar da concorrência à concentração e desta ao monopólio.
O governo fascista através do agravamento da exploração dos trabalhadores, da fixação dos preços, do crédito selectivo, dos avales do Estado, da política degressiva, das isenções ao grande capital e do agravamento da carga fiscal sobre as pequenas e médias empresas, apoiava inequivocamente as grandes empresas na sua vontade de concentração.
Da mesma forma através do condicionamento industrial, de toda a espécie de concessões e direitos preferenciais foram criadas condições para que da concentração se pudesse passar ao monopólio.
Desta forma foi possível que o capital financeiro, como resultado da fusão do capital bancário com o capital industrial se tornasse dominante e que os grupos económicos monopolistas se formassem, se desenvolvessem e alargassem a sua influência a toda a economia, isto embora o desenvolvimento do processo de industrialização não o justificasse ainda.
Podemos dizer que no nosso país os grupos económicos monopolistas, embora num quadro diferente, beneficiaram de todas as condições que lhes foram propiciadas pelo governo fascista para atingirem essa mesma posição.
Foi assim que um ano antes da revolução em 1973, a nossa economia era dominada por 7 grandes grupos monopolistas: CUF, Champalimaud, Espírito Santo, Português do Atlântico, Borges e Irmão, Nacional Ultramarino e Fonsecas & Burnay. Nuns casos o capital financeiro formou-se pelo alargamento à banca de sectores industriais, casos da CUF e Champalimaud, noutros é a banca que atrai o capital industrial, casos do Espírito Santo, Português do Atlântico, Borges e Irmão, Nacional Ultramarino e Fonsecas & Burnay.

A Revolução de Abril e a nacionalização dos grupos económicos

Com a revolução e como resultado da agudização da luta de classes, que opunha o avanço da revolução portuguesa aos grupos monopolistas, tornou-se inevitável proceder-se à nacionalização da banca e dos sectores básicos da economia. A sabotagem económica e as dificuldades de toda a ordem criadas à economia nacional pelos grandes senhores dos grupos capitalistas, as fraudes e abusos que cometiam nas empresas tornaram um imperativo a aceleração das nacionalizações.
No final do 1.º semestre de 1976 eram 245 as empresas nacionalizadas, entre as quais se encontravam 24 bancos e outras instituições de crédito, 36 companhias de seguros, 16 de electricidade, 5 de petróleos, 8 de fabricação de produtos minerais não metálicos, 1 de fabricação de vidro, 1 da industria do ferro e do aço, 2 de construções de material de transportes, 2 mineiras, 4 de produtos químicos, 6 de celulose e papel, 5 de tabaco, 7 de bebidas, 8 de pesca, 1 de agricultura, 96 de transportes terrestres, 8 de transportes marítimos, 1 de transportes aéreos, 10 de cinema e televisão, 4 editoras e tipografias.

A contra-revolução e a restauração dos grupos económicos

Entretanto o processo contra-revolucionário iniciado com o VI Governo Provisório ganha um outro fôlego com a adesão à CEE em 1986, de tal forma que em 1989 se inicia o processo de privatização e consequente restauração dos grandes grupos monopolistas.
Como resultado da financeirização da nossa economia, nos primeiros anos a quase totalidade das privatizações dá-se nos sectores da banca (Banco Totta e Açores, Banco Português do Atlântico, Banco Espírito Santo e Comercial de Lisboa, Banco Fonsecas & Burnay, Crédito Predial Português, Banif, União de Bancos Portugueses, Banco do Fomento Exterior, Banco Pinto e Sotto Mayor), e dos Seguros (Aliança Seguradora, Tranquilidade, Bonança, Mundial Confiança, Império).
A venda das empresas nacionalizadas ligadas a sectores estratégicos como o sector energético (Petrogal), o sector das telecomunicações (Portugal Telecom), o sector do cimento (Secil, Cimpor), o sector da pasta de papel (Portucel e Soporcel), o sector eléctrico (EDP), o sector químico (Quimigal, Companhia Nacional Petroquímica), avançaria de seguida, logo que efectuados pelo Estado os investimentos de que estas empresas careciam para serem apetecíveis pelos grandes interesses económicos privados.
Nos últimos dezassete anos as operações de privatização efectuadas pelos vários governos de direita (PSD, PS, PSD/CDS-PP e PS) já ultrapassaram a centena, tendo permitido ao Estado português arrecadar de receitas, a preços constantes de 2005, 31,8 mil milhões de euros, cerca de 22% do PIB, mas claro se levarmos em conta o valor das empresas privatizadas, se alguém se pode vangloriar dos negócios efectuados não é o Estado certamente, mas sim os grandes grupos económicos que após a nacionalização das suas empresas, grande parte delas descapitalizadas, endividadas e sem viabilidade económica, as recebem agora em boas condições de rendibilidade de tal forma que são já motivo de cobiça dos grandes monopólios internacionais (banca, energia, telecomunicações, comunicação social, etc.).

Os grupos económicos hoje

De acordo com o Anuário Estatístico de Portugal referente a 2005, existiam em Portugal em 2004, 128 grandes grupos económicos, os quais tinham como actividade económica principal a indústria transformadora (48), o comércio por grosso e a retalho (25), os transportes armazenagem e comunicações (13), a construção (12), as actividades financeiras (12) e as actividades imobiliárias (7) - ver quadro.
Grandes grupos económicos por actividade económica principal, segundo os escalões de empresas participadas
Unidade: N.º






Empresas participadas
Total
menos de 10
≥ 10 e < 50
≥ 50 e < 100
Mais de 100
Portugal





2004
128
24
81
14
9
C - Indústria Extractivas
1
1
-
-
-
D - Indústrias Transformadoras
48
11
31
3
3
E - Produção e Distribuição de Electricidade, de Gás e de Água
3


1
1
1
F - Construção
12
1
6
3
2
G - Comércio por Grosso e a Retalho
25
2
20
2
1
H - Alojamento e Restauração
4
3
1
-
-
I - Transportes, Armazenagem e Comunicações
13
3
9
-
1
J - Actividades Financeiras
12
2
6
3
1
K - Actividades Imobiliárias, Alugueres e Serviços Prestados às Empresas
7
1
5
1
-


3
-
2
1
-
© INE, Portugal, 2006, Anuário Estatístico de Portugal 2005/
Fonte: INE, Ficheiro de Unidades Estatísticas (FUE)





A esmagadora maioria destes grandes grupos económicos, são sociedades anónimas (119) e 35,2% surgiram antes de 1990, 32% entre 1990 e 1995 e os restantes 32,8% foram criados nos últimos 10 anos.
Se é verdade que destes grandes grupos económicos quase 70% incluem no seu seio empresas estrangeiras, também é verdade que em todos os grandes grupos económicos com mais de 50 empresas participadas no seu seio, se verifica sempre a presença de empresas estrangeiras, ou seja quanto maior é o número de empresas participadas de cada grande grupo económico, maior a probabilidade da presença de empresas estrangeiras.
No final de 2005, a análise dos maiores grupos económicos nacionais mostra-nos que os grupos com lucros mais elevados, com um valor superior a 250 milhões de euros, são apenas doze e incluem, os cinco maiores grupos financeiros - CGD, BCP, Santander Totta, BES e BPI; os dois maiores grupos económicos ligados ao sector energético - EDP e Galp Energia; um grupo económico ligado às telecomunicações - PT; um grupo ligado às telecomunicações e ao comércio a retalho - SONAE; um grupo ligado à construção e concessão de auto-estradas - BRISA; e apenas dois grupos económicos ligados predominantemente à actividade produtiva, produção de cimentos, papel e pasta de papel - Semapa e Cimpor.
Este conjunto de grupos económicos ao mesmo tempo que a nossa economia crescia a um ritmo praticamente nulo em relação a 2004 (+ 0,4%), viu crescer o seu volume de negócios no mesmo período 16,5% e os seus lucros atingirem os 5,7 mil milhões de euros - 3,7% do PIB.
Como se isto não bastasse a Comissão de Mercado de Valores Mobiliários publicou no início do passado mês de Maio um estudo efectuado junto das empresas cotadas em bolsa, o qual revela que entre 2000 e 2005, as remunerações dos órgãos de administração das empresas cotadas em bolsa, mais do que duplicaram, tendo mesmo triplicado no caso das empresas do PSI 20.
Significou isto que os Conselhos de Administração e as Comissões Executivas dos Bancos receberam, em média, 9,7 milhões de euros a título de remuneração em 2005, enquanto nas empresas não financeiras esse bolo foi de 2,4 milhões de euros. De notar que no caso da banca a remuneração dos banqueiros está muito associada aos resultados atingidos anualmente, representando a remuneração fixa apenas 50% daquilo que recebem. Isto justificará certamente muitas das chamadas engenharias financeiras que por ali se fazem anualmente.
A evolução tão díspar entre grande parte das empresas cotadas em bolsa e o restante tecido produtivo nacional, espelha uma das características mais marcantes da evolução da nossa economia nos últimos anos, o seu carácter dual - enquanto o sector produtivo fornecedor dos chamados bens transaccionáveis vem evoluindo a ritmos de crescimento muito baixos, próximos de zero, o sector dos bens não transaccionáveis - sector financeiro, sector da energia, sector imobiliário, sector das telecomunicações, sector dos serviços - cresce a ritmos elevados e reproduz lucros sobre lucros. Este último sector cujas empresas mais significativas, estão cotadas em bolsa e integram o PSI 20, com excepção da CGD, conheceu nos últimos cinco anos uma elevada capitalização bolsista que fez duplicar o seu valor.
Resulta daqui um preocupante e cada vez maior défice externo, que retrata o nosso permanente desequilíbrio da balança comercial de bens e serviços e que faz com que a nossa dívida externa líquida, tenha passado de cerca de 10% do PIB em 1996, para cerca de 80% do PIB em 2006.
Nesta situação, com as famílias e as empresas endividadas - o endividamento das famílias atingiu no final de 2006 os 124% do seu rendimento disponível e o endividamento das empresas 104% do PIB - com a poupança nacional a atingir o valor mais baixo da UE 27, 12,2%, para uma média da UE 27 de 22,2%, as necessidades financeiras das famílias e das empresas são satisfeitas pelo recurso ao endividamento externo, o qual significa em muitas situações a posse de grande parte dos activos dos grandes grupos económicos nacionais por parte de capitais estrangeiros. É isto, que já hoje acontece na EDP, na Galp Energia, na PT, no BPI, no BCP, no Santander Totta e em muitos outros grupos económicos, o que tem como resultado mais visível o volume de rendimentos que no final de 2006 saíram do país, como remuneração desses capitais, o qual atingiu os 15 mil milhões de euros, 10% do PIB deste ano.
Esta é sem qualquer dúvida uma situação insustentável a médio longo prazo, já que ela nos coloca nas mãos dos capitais externos e no limite põe em causa a nossa soberania.
Como dizia um economista da nossa praça, a grave situação de défice externo que vivemos, é hoje mais um problema político que económico, já que se as principais empresas estiverem nas mãos de capitais estrangeiros, no momento em que esses grupos tiverem que decidir a realização de investimentos, certamente que não serão os nossos interesses nacionais que os determinarão.

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