sexta-feira, 3 de novembro de 2006

SOCIALISTAS MUITO FELIZES



Alguns empresários europeus começam a inquietar-se com o rumo que as coisas estão a tomar. Duzentas famílias dispõem de fortunas três vezes superiores ao produto interno bruto de Todas as nações do planeta.
Em cada dois minutos morre de fome uma criança no chamado Terceiro Mundo.
O desemprego aumenta, A emigração africana atinge proporções incalculáveis. A população europeia envelhece assustadoramente. A extrema –direita cresce, na medida em que a Esquerda cede e capitula cada vez mais. O surdo sentimento de revolta que percorre o corpo social de numerosos países ameaça tornar-se numa forte vaga de fundo.
As alterações no mundo do trabalho fizeram emergir uma nova classe operária, cedo absorvida pela cultura dominante e pelo discurso da precariedade. Os Sindicatos são violentamente atacados, e os seus dirigentes estão demasiado tempo em lugares de decisão, o que suscita uma avalanche de críticas. O caso português é significativo pelo lado contraproducente: as direcções sindicais não são renovadas, a locução social começa a tornar-se enfadonha, a pujança adquirida nos anos imediatos a Abril desvaneceu-se. Não tenhamos ilusões. E deve servir de reflexão a última grande manifestação que reuniu entre oitenta a cem mil protestatários. O número é elevado, claro!, mas será significante? Podemos compará-lo às sondagens. Impressionam, mas valem o que valem e amiúde, valem muito pouco.
Lê-se, numa entrevista ao sociólogo Stéphane Beaud, que dirigiu um grande inquérito, “La France Innvisible” agora publicado por Editions La Découverte: “A geração popular de hoje dispõe de menos fontes colectivas e simbólicas para se opor as formas de domínio que se tornaram mais subtis e mais duras de contrariar”.
Em Portugal a situação é idêntica. A mentira, a omissão, a frivolidade têm carta de alforria. A Imprensa chegou a níveis tão baixos que nem no tempo do fascismo. A esmagadora maioria dos editorialistas escreve sem perigo, sem vergonha e sem glória. Um director de diário, conhecido por ser o porta-estandarte da mais reles estratégia do capital, prepara-se para iniciar uma carreira política, e vai dar o lugar a um outro, que “dirige” um periódico económico . Qualquer deles nunca colocou em texto o mais ínfimo dos reais problemas portugueses. Qualquer deles tem-se limitado a defender os “valores” do “mercado livre”, a saudar as “reformas” de José Sócrates e em afirmar que “as boas relações” entre Belém e São Bento são “óptimas para a democracia e para a solução dos nossos magnos (sic) problemas”.Todos sabemos: as coisa não são o que nos pretendem impingir, e a locução política, quanto honesta e digna, não é um desdobrável de turismo. Onde param os socialistas? Os socialistas que aplaudem Sócrates estão de acordo com as taxas moderadoras, com a aplicação de impostos aos reformados, com o aumento do custo de vida, com meio milhão de desempregados, com o crescendo da emigração, com o desespero de investigadores e outros cientistas portugueses que são obrigados a procurar emprego no estrangeiro? Estão? Se estão, não podem, em rigor, ser socialistas – porque a prática política de Sócrates é neoliberal, e muitíssimo mais à direita do que a do seu parceiro Tony Blair.
Críticas ao neoliberalismo, contido na ideologia do “mercado”, começam a surgir aqui e além, de um modo cada vez mais profundo e veemente. Jornalistas despertam para um assunto que diz directamente respeito a todos nós. Nos Estados Unidos, um comentador moderado, Louis C.Wattermann, escrevia, recentemente, no “Los Angeles Post” , que a “liberalização” será muito boa para todos, se apenas uma parte desses todos faz grande alarido com as suas virtudes?” Jacques Julliard, que não é, propriamente, um desassossegado crítico do sistema, glosou o tema, há meses, no “Nouvel Obs”, admitindo que a globalização “tem criado mais desespero, ansiedade e angústia do que benefícios, alegria e justiça”.
A euforia demonstrada pelos socialistas portugueses não corresponde à realidade dos factos sociais. O País está a sofrer uma convulsão terrível, e absolutamente inesperada, tanto mais que provém de uma zona ideológica de que se esperava exactamente o contrário. Se não há alternativa ao poder, parece também não haver alternativa na direcção do PS.
Os socialistas estão todos contentes. As imagens que as televisões nos mostram são as dos rostos iluminados de prazer, de júbilo e de festividade. Rostos tão luminosamente felizes que parece não se preocuparem com as manifestações de desagrado, de angústia, de aflição, de tormento gritadas nas ruas, no exterior das salas e dos restaurantes onde José Sócrates recebe essas ondas de satisfação e de embevecida ventura.
Análise de: Batista-Bastos

O Hermínio

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